Pensar nem sempre é estar doente dos olhos

O maravilhoso heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, diz em um dos poemas que amamos que " pensar é estar doente dos olhos", porque ele quer que seus leitores se ponham a sentir o mundo. Mas, como hoje poucas pessoas fazem qualquer uma das duas coisas ( pensar e sentir), permitimo-nos dizer que sentir é fundamental, mas pensar também. Exercite essas duas capacidades: leia mais, viaje mais, converse mais com gente interessante, gaste seu tempo discutindo ideias e não pessoas.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A música e o moedor de carnes - Fabiano Fontes

Em agosto de 2010 os telespectadores foram massacrados por um moedor de carnes chamado mercado fonográfico, ao assistir a premiação do prêmio Multishow.Um dia ( em um tempo remoto) os festivais reuniam o melhor da produção artística musical no país, presenciávamos o nascimento de estrelas da grandeza de Caetano Veloso, Gil, Edu Lobo dentre outros, a organização de movimentos lítero-musicais, os debates sócio-econômicos também coloriam os momentos decisivos nos bastidores das apresentações.
Muita coisa mudou, e para pior!!Não quero acreditar(nem ser saudosista) que o ouvinte piorou ou extinguiu o bom gosto musical.O resultado da premiação e a falta de preparo para apresentações ao vivo beirou o vexatório.Foi constragedor olhar as expressões de Arnaldo Antunes e Nando Reis ouvindo a banda feminina( e não por ser composta por mulheres) executar clássicos dos Titãs perdidas no palco procurando a vocalista ou um roteiro para se seguido.Fui obrigado  a aceitar que os melhores são : Cine, Restart, Luan Santana ou Rodrigo Tavares(baixista do Fresno).
É certo o fim está próximo, a música morreu.O pouco que restava de música foi moída pela indústria e embalada com calças coloridas e riffs chicletes.A culpa é do Dadaísmo mal compreendido!isso mesmo, que gerou tardiamente na nova geração a sensação que para fazer arte não é preciso entendê la.Que sofrimento!

sábado, 28 de agosto de 2010

Otário Eleitoral 2 : A missão

Pensou que já ouviu todos os absurdos? Prepare-se: tem um candidato a senador cuja plataforma de campanha é acabar com o senado, alegando que este não serve para nada. Não sei o que é mais cômico: um sujeito se candidatar ao senado achando que ele precisa acabar( por que não se candidatou ao outro cargo então?) ou um candidato ao senado que nem sabe o papel que essa casa possui no processo democrático. È deprimente! Certo mesmo está Manuel de Barros: " O que não acaba no mundo é gente besta e pau seco."!

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Otário Eleitoral Gratuito

É incrível como o Horário Eleitoral consegue ser mais cômico a cada ano. E o mais interessante é os candidatos não querem ser ridicularizados nos programas de humor, como se eles realmente precisassem que alguém, além deles próprios, os tornasse ridículos. Será que eles não veem as propostas que fazem? Será que eles não pensam que falar português corretamente é o mínimo que se espera de alguém que quer ocupar um cargo público? E os que têm slogans estúpidos, com trocadilhos de péssimo gosto? A política neste país tem se tornado piada sozinha, os coitados dos humoristas sequer têm com o que gracejar, visto que as próprias apresentações dos candidatos são a essência do paradoxo eleitoral: comédias que, após 3 de outubro, se transformam em tragédias.

domingo, 22 de agosto de 2010

E nós que temíamos Hitler - Giovana Marques Fontes

Recebi, via internet, um dia desses, uma antiga matéria atribuída a Arnaldo Jabor que versava sobre a solidão das musas da TV. Em seu artigo, Jabor ( ou alguém se passando por ele, já que o próprio Jabor disse que não escreveu metade dos textos “dele” que rodam na rede) alegava que os homens não estavam preparados para tanto silicone, tanta malhação, tanto poderio sexual. Então, sentindo-se diminuídos, preferiam mulheres normais àquelas “deusas bombadas”. Tal reflexão levou-me a pensar no seguinte: durante muito tempo nos deixamos amedrontar pelos grandes ditadores e suas forças bélicas, temendo destruições em massa; a maioria deles, porém, já está morta, portanto não oferece mais perigo. Entretanto, a modernidade nos legou tiranos muito mais nocivos: o apego à estética e a necessidade de aceitação pelo outro, são sem dúvida, os mais cruéis.

É claro que o apreço pela beleza faz parte da existência, desde os clássicos greco-romanos ela é colocada num patamar de excelência (vide as esculturas daquele período que retratavam homens fortes, viris ou heróis épicos como Aquiles e Heitor). Contudo, a partir dos anos setenta do século XX - período em que a alta costura já alucinava definitivamente as passarelas do mundo com suas modelos anoréxicas – a moda e suas tendências de cores e formas começaram a assombrar a vida de mulheres e, mais recentemente, de homens também. Todos queriam abandonar Hefestos e encontrar o Adônis adormecido. Estabeleceu-se que para ser aceito socialmente era necessário ostentar aqueles padrões. Parâmetros até então usuais de beleza e comportamento, que respeitavam as individualidades, foram gradativamente sendo substituídos por formas obsessivamente trabalhadas: abdomens transformaram-se em tanques, pernas tornaram-se fotalezas, seios passaram não só a indispensáveis, como são medidos em mililitros e não mais em centímetros.

O que não se levou em conta, nessa nova ditadura, foi que não há perfeição na humanidade, isso já é da natureza. As beyonce-julianapaes-larissariquelme et congeneres, os gianecchinis-bradpitts-roberthuchingsons não nascem feitos, moldam-se à custa de muita abstinência alimentar, excesso de malhação e, até, de alguns medicamentos de uso proibido que trarão sérios prejuízos à saúde no futuro. Esse fenômeno é tão doentio que a repórter Renata Capucci ─ que também não tem silhueta top model ─ sentiu-se à vontade para agredir, no twitter, a cantora Mariah Carey, ironizando-a por estar, na opinião da repórter, gorda. Eu nem gosto de Mariah, mas acho que o talento dela não depende de suas formas serem esguias ou roliças. Comentários dessa natureza só servem para reforçar a tese de que vivemos preocupados com futilidades ou, pior, exercendo nossa maldade e falta de autoestima criticando nos outros aquilo de que não gostamos em nós mesmos. Entretanto, o que nossa querida Capucci não percebe é que nem todos estão dispostos a essa transmutação física ou preparados para ela.

E é aí que nascem os problemas, todos (ou pelo menos a grande maioria) queremos ser aceitos, ser queridos e admirados. Mas como isso é possível se estamos a anos-luz de distância dos ditames impostos? Muito simples, tornamo-nos nossos próprios déspotas: freqüentamos exaustivamente academias (ou morremos de culpa se não podemos fazê-lo); fazemos a dieta do vinagre, do chá, da lua; compramos a cinta modeladora do Dr. Rey; entupimos salas de cirurgiões plásticos e, por fim, lotamos os consultórios psicológicos e psiquiátricos. Sim, pois ao final de tudo isso descobrimos que continuamos sendo nós mesmos e que, infelizmente, a mudança que almejamos tem de acontecer de dentro para fora e não ao contrário, por mais piegas e óbvia que essa constatação seja.

É hora, pois, de pensarmos em quem estamos nos transformando. É tempo de descobrir se aquele que vemos no espelho é realmente quem gostaríamos ou é apenas um produto para a satisfação alheia. Não faço aqui uma apologia contra a boa forma ou a cirurgia estética (mesmo porque estaria sendo hipócrita se o fizesse), chamo apenas a atenção para o fato de que estamos criando neuroses desnecessárias, afinal há mais gente necessitando de plásticas no caráter e no ego do que no corpo e isso, pesarosamente, não se consegue em consultórios médicos. Para a conquista de tal intento é preciso que reformemos nossos conceitos ditatoriais de mundo e, principalmente, que abandonemos nossas pequenezas, afinal criticar o “corpinho” de Mariah não nos faz dormir como Dona Redonda e acordar Angelina Jolie.

Em suma, vemos que a chegada da tão sonhada aceitação social está fundamentalmente ligada à descoberta de quem pretendemos ser e para quê. Só assim poderemos aniquilar esse carrasco interior que nos vitima. E pensar que durante tanto tempo nós temíamos Hitler, como se o grande inimigo estivesse fora e não dentro de nós mesmos.

sábado, 14 de agosto de 2010

Um café para dois só para mim - Fabiano Fontes

Fernando Pessoa criou seus heterônimos baseado em seu universo místico, buscando em outros Eus uma forma de expressão poética.Todos nós vivemos no fundo heterônimos sociais.O resultado foi a completa anulação do eu- eu, e as relações ficaram vazias.Não temos mais tempo para perceber as belezas dos nomes, suas melodias e sentidos sinestésicos :Marias, Anas, Beatriz, tantos nomes eternizados na música popular brasileira.Sozinho com meu vinho percebi que não há algo mais solitário do que um café.Em cada mesa uma conversa solitária povoa a imaginação de cada indivíduo, que procura em seus heterônimo uma válvula de escape, um monólogo interior Lispectoriano que nos salve da solidão.Um café para dois só para  mim é uma composição minha nesses momentos de estranhamento com o mundo!O link abaixo conduz para o vídeo no youtube.



http://www.youtube.com/watch?v=cJo7dPq_rxg



Queria tanto te dizer
que tenho medo de perder você
quando você não está aqui
são coisas fúteis do amor
imaginar quando será o fim
do que apenas começou

O teu sorriso é uma canção
que eu guardei no coração
pra ter você perto de mim
e acreditar que até o fim
que você me completou

Castelos no ar
jogos de azar
um café para dois só para mim

Areia e o mar
eclipse lunar
um café para dois só para mim

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Vou ser deportado de Pasárgada! Giovana Fontes

A recente aprovação da Lei SB 1070, no estado norteamericano do Arizona, reacendeu o debate mundial sobre as questões de imigração. Propondo a criminalização da imigração ilegal, assim como o direito da polícia revistar e abordar – em virtude de uma simples impressão pessoal – qualquer indivíduo que apresentar “suspeita razoável”, a lei se configura não só como uma violação aos direitos humanos ( já que trabalha com uma espécie de presunção de culpa), mas também como uma forma xenofóbica de conter um deslocamento que foi responsável pelo desenvolvimento dos países como um todo, inclusive dos próprios EUA.


O mais interessante é que se pensarmos nas questões históricas relacionadas às mobilidades dos povos chegaremos a algumas conclusões curiosas: a primeira delas é que a própria América é um continente totalmente formado por imigrantes, haja vista que os nativos de nosso continente foram quase completamente dizimados pelos conquistadores que aqui chegaram após Cristovão Colombo. A segunda é que os EUA, que agora rechaçam seus imigrantes (sobretudo os mexicanos) fundaram seu país saindo da Inglaterra para a América; portanto, se os nativos norteamericanos indígenas os tivessem expatriado - como agora querem fazer com os imigrantes ilegais - ou eles teriam voltado para casa e se sujeitado à estrutura religiosa inglesa contra a qual lutavam ou estariam vagando sem rumo, fazendo companhia aos Curdos, que não possuem uma terra própria. A terceira é que muitos dos estados americanos fronteiriços ao México eram pertencentes a este país e foram usurpados, pelos estadunidenses, por meio de batalhas ou acordos escusos.

Não bastasse isso, há que se considerar ainda que os imigrantes, na maior parte dos países para onde vão, executam trabalhos indignos ou, ao menos, realizam tarefas que não são desejadas pelos nativos, tais como serviços domésticos, trabalhos pesados na construção civil, atividades insalubres, dentre outras. Além disso, muitos destes indivíduos, justamente por estarem em situação ilegal, aceitam remunerações pequenas e ausência total de direitos trabalhistas, algo a que um nativo de países desenvolvidos provavelmente jamais se submeteria. Pelo menos não até que estas nações sofressem alguns colapsos financeiros ( como a crise imobiliária norteamericana em 2008) em virtude dos quais seus cidadãos perderam empregos e se viram endividados, passando, então, a perseguir duramente os imigrantes, os quais se tornaram alvo da responsabilidade pela ausência de empregos no país.

É oportuno, contudo, observar que o relatório da ONU de 2009 intitulado “Ultrapassar barreiras: mobilidade e desenvolvimento humanos” constatou, ao contrário do que afirmam os xenófobos segregacionistas, que apenas 37 % do fluxo migratório mundial acontece de países em desenvolvimento para países desenvolvidos e que a mão de obra trazida pelos estrangeiros é, via de regra, responsável pelo crescimento das economias dos Estados que os acolhem e não pelo colapso dela. O próprio Brasil pode e deve ser utilizado como um exemplo: sem a mão de obra dos italianos, alemães, ucranianos, poloneses, japoneses, dentro outros, que para cá vieram em fins do século XIX e início do século XX, certamente nosso desenvolvimento econômico e social teria sido prejudicado, haja vista que os estados do sul foram fundamentalmente colonizados por estes povos e são hoje todos economicamente bem desenvolvidos.

O mais impressionante é que essas medidas de endurecimento em relação ao fluxo migratório estão ganhando adeptos e podem, em pouco tempo, transformar-se em políticas altamente segregacionistas que acabarão por prejudicar também aos que vivem legalmente como imigrantes em um país, posto que elas acabam por incentivar ( e até legitimar) o ódio interracial. Às vezes fico pensando que se essa xenofobia ganhar proporções mais globalizadas e atingir as terras tupiniquins pode ser que em 2108, ao invés de comemorarmos com festa os 200 anos da imigração japonesa ao Brasil estejamos montando postos para deportação de todos os que possuam olhinhos puxados.

Enfim, se este despautério dirfarçado de política migratória (com intento “de diminuir a violência e combater o tráfico de drogas,” como alegam preconceituosamente os estadunidenses) continuar a crescer, temo que, no futuro, o poema “ Vou-me embora pra Pasárgada”, de Manuel Bandeira, se torne leitura proibida nas escolas, pois será uma espécie de ode ao desrespeito a tais políticas . Quanto ao coitado do “eu-lírico”, se ele investisse em sua ida ao paraíso por ele idealizado, em vez de “fazer ginástica, andar de bicicleta e tomar banhos de mar”, provavelmente seria deportado antes mesmo de conhecer as maravilhas locais.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Dividindo a arte esquecida: Poema - Cazuza

Esse texto é um belíssimo poema que o Cazuza fez para a avó dele, quando ela morreu, e que só descoberto depois da morte de Cazuza. A mãe dele, Lucinha Araújo, encontrou o texto e deu para o Ney Matogrosso. O Ney pediu ao Frejat que musicasse e gravou. É uma maravilha! Aí vai o link do youtube para quem quiser conhecer ou rever esta maravilha: http://www.youtube.com/watch?v=xYQDMX-Z9K4

"Eu hoje tive um pesadelo e levantei atento, a tempo


Eu acordei com medo e procurei no escuro

Alguém com seu carinho e lembrei de um tempo

Porque o passado me traz uma lembrança

Do tempo que eu era criança

E o medo era motivo de choro

Desculpa pra um abraço ou um consolo

Hoje eu acordei com medo, mas não chorei

Nem reclamei abrigo

Do escuro, eu via um infinito sem presente

Passado ou futuro

Senti um abraço forte, já não era medo,

era uma coisa sua que ficou em mim, que não tem fim

De repente a gente vê que perdeu

Ou está perdendo alguma coisa

Morna e ingênua

Que vai ficando no caminho

Que é escuro e frio, mas também bonito

Porque é iluminado

Pela beleza do que aconteceu

Há minutos atrás"

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Revolução desarmada por Giovana Marques Fontes

Quando estava na Faculdade, certo dia, tive uma discussão fervorosa com uma colega de sala. Analisávamos, para a aula de Literatura Universal, o romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert. Eu defendia a tese de que a referida obra, muito mais do que retratar a traição de Emma ao marido Charles, era um retrato da estupidez humana, pois quase todas as personagens (farmacêutico, dona da pensão, a própria Emma) são interiorianos fofoqueiros, mesquinhos, fúteis e que, na maioria do tempo, ocupam-se de falar da vida alheia. Disse também que Emma não traíra Charles por ser leviana, mas porque, como as mocinhas dos romances românticos, acreditava em príncipe encantado: ou seja, traiu por ser bobinha e crer que alguém possa ser realmente perfeito. Minha colega protestou veementemente: “Todas nós somos um pouco Emma Bovary, não acho que ela seja estúpida!”, ao que eu prontamente retruquei: “ Se você quer se assumir idiota, faça-o sozinha!”. Hoje vejo que, em partes, a moça tinha razão.

Mas o que permitia a duas pessoas lerem a mesma obra, interpretá-la de maneiras opostas e, ao mesmo tempo, corretas? O fato de que a leitura nos propiciou, como aliás é sua função, momentos de fantasia, embevecimento e também capacidade de reflexão sobre o universo em que vivemos. Afinal, ler é a nossa maior arma, pois o conhecimento foi e sempre será o único e genuíno instrumento de poder, daí porque em tempos de guerra e de regimes ditatoriais os intelectuais são sempre os primeiros a serem silenciados.

Na realidade, quando entramos em contato com uma obra literária, revisitamos mundos, culturas, costumes e, sobretudo, enxergamos a alma alheia; e não só a do escritor que nos oferece de maneira tão pródiga suas impressões, mas também a nossa própria, pois reconhecemo-nos nas páginas, a nós e àqueles que nos cercam, fazendo com que repensemos nossa forma de agir e reagir sobre as coisas do mundo. Marcel Proust dizia que “ Na verdade, todo leitor é, quando está lendo, um leitor de si mesmo. O trabalho do escritor é meramente uma espécie de instrumento ótico, que ele oferece ao leitor para capacitá-lo a discernir aquilo que, sem o seu livro, ele talvez jamais experimentaria sozinho”.

Isso nos leva a perceber que quem não lê (sob a alegação de ser chato, ou pior, de que já passou boa parte da vida sem os livros e eles não fizeram falta) abdica da capacidade melhor dos seres humanos: pensar. Quando vemos em Clarice Lispector retratos de mulheres conformadas, como Laura, do conto A imitação da rosa, acabamos por refletir sobre que posição ocupamos. Estaríamos nós também sendo Lauras, nos resignando com a vida de mesmice que levamos? ( ou seríamos Emma Bovary, como queria minha colega?) Se analisamos com cuidado os casamentos frustrados de Lygia Fagundes Telles em Antes do Baile Verde, infelizmente, reconhecemos agir muitas vezes como as personagens ali descritas. Porém, se por um lado isto é trágico, pois pode nos prenunciar o mesmo destino, por outro nos permite rever nossas posições, alterar nossa “rota suicida”.

É interessante notar, contudo, que nossos jovens têm lido cada vez menos e se acham, por isso, altamente transgressores. Creem firmemente que ao negarem a fantasia e o conhecimento trazidos pela literatura estejam afrontando seus pais e professores, reafirmando a sua condição (felizmente passageira) de adolescentes, no sentido mais estrito do termo. Quanta inocência! Não percebem que os únicos prejudicados são eles mesmos, posto que quanto menor sua capacidade de pensar, criar e criticar o mundo em que vivem, mais eles são manipuláveis, tornando-se os alfinetes do Apólogo de Machado de Assis: onde os põem , ficam; pois no mais das vezes nem se dão conta de que estão sendo dirigidos.

Portanto, se queremos realmente transgredir e mudar algo ( como atestam os adolescentes) façamos a revolução desarmada: leiamos, que o melhor remédio para as dores da alma e do consciente é dar a eles a fantasia e a capacidade de reflexão que só a leitura, em sentido amplo, pode nos propiciar.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A reedição do passado: receita de heroi

O recente epísódio na fórmula 1, em que Michael Schumacher mais uma vez trapaceou sobre Rubens Barrichello no GP da Hungria, me fez lembrar que em 2002 eu havia escrito um artigo a propósito de uma situação semelhante: a ordem que a Ferrari dera a Rubinho para, mesmo vencendo a prova, deixar que Schumacher o ultrapassasse na última volta, para que o ilustre alemão tivesse o primeiro lugar no pódio. Pois bem, relendo o artigo, achei-o muito atual ( embora ele se refira  ao tal Cléber Bambam que havia ganho o deplorável Big Brother naquele ano e que, como eu previ na época, foi celebridade miojo)  e resolvi republicá-lo aqui. Espero que gostem.

Receita para fazer um heroi


Giovana Marques Fontes*



Segundo o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaellis, herói é : “Homem elevado a semideus após a morte, por seus serviços relevantes à humanidade”. Que o mundo está carente de heróis, é um fato; pois há muito não temos um grande ídolo, honrado, bravo, destemido, que faça por merecer a designação anterior, dando-nos motivo para tomá-lo como espelho. Entretanto, mais deplorável do que não ter alguém em quem nos mirar, é ter de viver para ver a fabricação barata de mitos.

Estamos em um tempo em que as qualidades essenciais aos vencedores típicos, aos heróis natos, vêm sendo deliberadamente abandonadas em detrimento de receitas de fácil digestão. Leia-se a apologia à ignorância e ao mau gosto, aliados à falta de caráter e a uma falsa ingenuidade, representados pelo tal Cleber Bambam, o herói-miojo do momento.

Talvez isso se dê para acompanhar a evolução tecnológica, a qual impôs um ritmo frenético de vida, decretando a morte precoce das coisas e dos valores a serem adotados, criando este estilo novo de personalidade a ser admirada: o herói de preparo instantâneo.

Como se faz um? Vide a receita, é simples: pegue povos carentes de ídolos, dê-lhes uma personalidade, de preferência mundial – um Michael Schumacher, digamos – adicione uma equipe de fórmula um interessada em vencer a qualquer preço; junte a isso a falta de auto-estima (e porque não dizer de vergonha) da figura em questão. Por fim, acrescente um companheiro de equipe que conhece o real significado desse termo e que, preferencialmente, seja oriundo de um país de terceiro mundo. Leve ao fogo brando, por mais ou menos dois anos, e o seu herói triunfará mesmo sem ter vencido.

Nessas horas chego a ficar feliz por nosso verdadeiro ídolo, Airton Senna , estar morto. Pois seria humilhante demais para ele viver para ver tamanho desmerecimento com o posto que um dia ocupou com tanta dignidade e brilhantismo. Que era é essa, em que um herói não é aquele que, como Senna, respeita aos demais, dando-lhes apoio e amizade, mas aquele para quem os fins – a fama – justificam os meios – vencer sem ter vencido.

Em casos como esses, vemo-nos obrigados a concordar que a personagem Brás Cubas, de Machado de Assis, tinha suas razões ao afirmar: “Não tive filhos, não transmiti a ninguém o legado de minha miséria.” Afinal, o que dirá nossa prole, num futuro próximo, quando souber que a geração de seus pais pautou-se em mitos degradados, em personificações do epíteto de Macunaíma: heróis sem nenhum caráter.

Definitiva e finalmente, isso nos leva a crer que qualquer um de nós pode fabricar heróis à sua moda, eximindo-se do peso que isso deveria acarretar. Afinal, qualquer um que tenha uma carinha bonita, um corpinho sarado ou milhões de dólares, pode comprar pra si esse posto, o qual até bem pouco tempo atrás demandava anos de dedicação e comportamento exemplar para ser conseguido.