Pensar nem sempre é estar doente dos olhos

O maravilhoso heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, diz em um dos poemas que amamos que " pensar é estar doente dos olhos", porque ele quer que seus leitores se ponham a sentir o mundo. Mas, como hoje poucas pessoas fazem qualquer uma das duas coisas ( pensar e sentir), permitimo-nos dizer que sentir é fundamental, mas pensar também. Exercite essas duas capacidades: leia mais, viaje mais, converse mais com gente interessante, gaste seu tempo discutindo ideias e não pessoas.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Redenção com Murilo Mendes

Minha Dissertação de Mestrado concluída a long, long time ago ( mais precisamente defendida em junho de 1999), para quem não sabe, foi um estudo comparado entre a poesia surrealista do poeta mineiro Murilo Mendes e as pinturas de Salvador Dali. Pois bem, ocorre que até hoje eu nunca postei algo sobre o Murilo e, para piorar, dia 13 de maio ele teria feito 110 anos e eu falhei de novo em não postar algo, então resolvi me redimir hoje. A seguir, vou colocar uma parte da biografia dele ( que eu adaptei do texto de minha dissertação) e alguns poemas para instigar um pouco a curiosidade de vocês em conhecer este poeta que tem cadeiras de estudo dedicadas a ele em várias universidades europeias( em Roma, em Madri, em Sevilha, em Berlim, em Lisboa), porém é quase um ilustre desconhecido por aqui. Aproveitem!
Murilo Mendes - breve biografia e poemas
“Aluno da Escola de Farmácia de Juiz de Fora, telegrafista, prático de farmácia, guarda-livros, funcionário de cartório, professor de francês em Palmira, arquivista do Ministério da Fazenda” eis uma parte da biografia trabalhista de Murilo Mendes, elencada por Luciana Stegagno Picchio . Biografia esta que revela um pouco da inquietude deste menino de Juiz de Fora - MG, nascido a 13 de maio de 1901, filho de Onofre Mendes e Elisa Valentina Monteiro de Barros Mendes.


Tendo ficado órfão de mãe com apenas um ano e meio, Murilo foi criado por Maria José Monteiro Mendes, segunda esposa de seu pai por quem ele nutria grande ternura e gratidão: “minha segunda mãe, Maria José, grande dama de cozinha e salão, resume a ternura brasileira. Risquei do vocabulário a palavra madrasta”. Assim refere-se o poeta à “mãe” em seu livro de memórias A Idade do Serrote.

Desde muito jovem, Murilo Mendes já mostrava suas aptidões para as artes, seu gosto pela música que advinha das canções que a madrasta “pianolava” e também da flauta de Isidoro: “Nasci coisando, nasci com a música. Recordo-me perfeitamente de ouvir o nosso Orfeu nº 1, Isidoro, flauteando na casa de meu pai”, define-se o poeta em suas memórias. Já em carta a Laís Corrêa de Araújo Ávila, Murilo define Juiz de Fora como “um trecho de terra cercado de pianos por todos os lados”(Ávila, 1972:10). Esta paixão pela música o levaria a eleger, mais tarde, como seu mentor musical, o compositor Mozart, a quem Murilo dedicou seu livro As Metamorfoses e por quem quase cometeu a seguinte loucura: telegrafar a Hitler em sinal de protesto. O motivo? O grande amor de Murilo por Mozart que o fez sentir-se agredido quando o ditador alemão invadiu Salsburg na Áustria, terra natal de Mozart. Munido da seguinte mensagem: “Em nome de Wolfgang Amadeus Mozart protesto contra a ocupação de Salsburg”(idem: 15), Murilo dirigiu-se aos correios que, felizmente, não a enviaram.

Quanto à infância do poeta, ele viveu-a em Minas, sob o jugo dos pais que pretendiam fazer dele um moço bom e trabalhador como os demais que conheciam. No entanto, o menino inquieto não se sentia bem nos bancos de escola, vendo contas e números o tempo todo, quando preferia ler e viajar em sua própria imaginação. Também em carta a Laís Ávila, a irmã de Murilo confessa: “era ótimo aluno de suas matérias preferidas, português e francês, e péssimo das que não gostava, principalmente matemática”(idem:10).

Aos dezesseis anos Murilo Mendes é encaminhado para um internato em Niterói, onde não ficaria por muito tempo devido à sua natureza insubordinada. É neste tempo que começa a escrever mais freqüentemente, já seguro de que deseja ser poeta, embora o pai achasse que este não fosse um ofício capaz de sustentar alguém. É justamente devido a este sentimento do pai, que Murilo tentou exercer tantos ofícios, percorrendo uma trajetória incessante de troca de empregos, já que não se adaptava a nenhum.

Como o poeta acabou por abandonar o internato, o pai, preocupado com o futuro do filho, resolve mandá-lo para o Rio de Janeiro, para trabalhar com o irmão mais velho. A partir daí começa mais solidamente a formação do poeta. No Rio, Murilo tem a possibilidade de entrar em contato com os ecos da Semana de Arte Moderna, ou seja, com os rumos da nova poesia brasileira. Além disso, ele conhece alguns artistas que seriam imprescindíveis em sua formação futura, dentre os quais podemos destacar Jorge de Lima e, fundamentalmente, Ismael Néri.
Com Ismael Néri, Murilo aprendeu a aprimorar seu gosto pelas artes plásticas e passou a incorporar este plasticismo em suas obras poéticas, característica que, aliás, foi utilizada por ele ao longo de toda a sua produção. Vejam isso nos poemas:

“Soltaram os pianos na planície deserta

Onde as sombras dos pássaros vêm beber.
Eu sou o pastor pianista,
Vejo ao longe com alegria meus pianos
Recortarem os vultos monumentais
Contra a lua.


Acompanhado pelas rosas migradoras
Apascento os pianos: gritam
E transmitem o antigo clamor do homem


Que reclamando a contemplação,
Sonha e provoca harmonia, trabalha mesmo à força,
E pelo vento nas folhagens,
Pelos planetas, pelo andar das mulheres,
Pelo amor e seus contrastes,
Comunica-se com os deuses.”
(“O Pastor Pianista” in: As Metamosfoses)


“Eu quis acender o espírito da vida,

Quis fundir meu próprio molde
Quis conhecer a verdade dos seres, dos elementos;
Me rebelei contra Deus[...]


Então o ditador do mundo
Mandou-me prender no Pão de Açúcar
Vêm esquadrilhas de aviões
Bicar o meu podre fígado.”
(“O Novíssimo Prometeu” in: O Visionário)



"Tua cabeça é uma dália gigante que se desfolha nos meus braços.
 Nas tuas unhas se escondem algas vermelhas,
 E da árvore de tuas pestanas
 Nascem luzes atraídas pelas abelhas.
 Caminharei esta manhã para teus seios:
 Virei ciumento do orvalho da madrugada,
 Do tecelão que tece o fio para teu vestido.
 Virei, tendo aplacado uma a uma as estrelas,
 E, depois de rolarmos pela escadaria de tapetes submarinos,
 Voltaremos, deixando madréporas e conchas,
 Obedecendo aos sinais precursores da morte,
 Para a grande pedra que as idades balançam à beira-nuvem."

(Estudo nº 6  in: As Metamorfoses)

quarta-feira, 25 de maio de 2011

E o Mundo não se acabou


Pela milionésima vez, os " sem ter o que fazer" de plantão sairam por aí dizendo que o mundo ia acabar sábado passado. De fato, com o perdão do comentário mórbido, para todos os que figuraram nos obituários o mundo se acabou mesmo, pelo menos este! Entretanto, o resto de nós, felizmente, ainda está aqui. Bem, essa bobagem toda me recordou de um ótimo samba de Assis Valente, afinal no tempo dele (1911-1958) já se faziam prenúncios dessa natureza. Assis era um sujeito melancólico, tentou duas vezes o suicídio, antes de finalmente conseguir se matar tomando formicida. O motivo alegado foram as imensas dívidas que possuía, mas certamente essa não foi a única razão. Desgraças à parte, Assis Valente é um importante ícone da música brasileira e escreveu o samba ótimo cuja letra eu coloco a seguir, junto com o video da música na interpretação de Carmem Miranda. Gostaria de ter posto a interpretação do Ney Matogrosso, mas não encontrei o vídeo, se puderem, ouçam!




Anunciaram e garantiram

Que o mundo ia se acabar

Por causa disso

Minha gente lá de casa

Começou a rezar...

E até disseram que o sol

Ia nascer antes da madrugada

Por causa disso nessa noite

Lá no morro

Não se fez batucada...

Acreditei nessa conversa mole

Pensei que o mundo ia se acabar

E fui tratando de me despedir

E sem demora fui tratando

De aproveitar...

Beijei a bôca

De quem não devia

Peguei na mão

De quem não conhecia

Dancei um samba

Em traje de maiô

E o tal do mundo

Não se acabou...

Anunciaram e garantiram

Que o mundo ia se acabar

Por causa disso

Minha gente lá de casa

Começou a rezar...

E até disseram que o sol

Ia nascer antes da madrugada

Por causa disso nessa noite

Lá no morro

Não se fez batucada...

Chamei um gajo

Com quem não me dava

E perdoei a sua ingratidão

E festejando o acontecimento

Gastei com ele

Mais de quinhentão...

Agora eu soube

Que o gajo anda

Dizendo coisa

Que não se passou

E, vai ter barulho

E vai ter confusão

Porque o mundo não se acabou...

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Exercício da alma

"Ele me deu um beijo na boca e me disse/a vida é oca como a touca de um bebê sem cabeça/ e eu ri a beça", já não rio mais. Em meio às ausências, os vazios. Solidão de gente muita entre os espaços. Saudade insistente daquilo que não vi e não sei se verei. Os calafrios e tremores da ansiedade ecoam pela casa vazia. O relógio na parede marca sempre a mesma hora: tempo infinito, não cíclico, disperso. Cheiro de fotos antigas nas paredes, o retrato da vó e do vô no alpendre. Apenas sombras, a cadeira de balanço tilintando com o vento. Passado, futuro, não-tempo? Hoje acordei sem alma. Se alguém a encontrar vagando por aí, devolva por email. Muitas vezes ela sai, menina mimada, quer autonomia, o problema é que, acostumada a ser carregada, nem sempre sabe para onde deve voltar. Aí, tenho de por anúncios nos jornais, cartazes nas ruas: procura-se por uma alma lavada e desbotada,  provavelmente encolhida num canto qualquer, ouvindo Pink Floyd. Em caso de resistência, ofereçam champagne que ela volta. Sempre que cansa de existir é assim, ela se sente lama, um anagrama de si, mas depois ela entende que está pregada a mim e que enquanto meu corpo estiver sendo, ela também terá de ser, mesmo que não que queira.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Arnaldo Antunes: "Ao vivo lá em casa" - Bárbaro

Compramos ontem o DVD "Ao vivo lá em casa", do Arnaldo Antunes: simplesmente fantástico!!! O projeto é muito inusitado: ele realmente fez o show no quintal da casa dele. Desmontou tudo: tirou telhas do telhado para passar cabos, montou centrais de video nos quartos dos filhos...um projeto altamente despojado, porém muito bem cuidado e produzido. As canções cujas letras são dele estão magníficas e as regravações ficaram curiosas. Há participações especiais do Benjor, do Erasmo Carlos, do Demônios da Garoa e Fernado Catatau. 
O DVD tem um clima afetuoso e delicioso de família lá em casa mesmo, muito bem traduzido para o público, a gente se sente meio parte da festa. Eu já conhecia algumas das canções, até porque muitas delas estão estouradas nas rádios alternativas e em trilhas do canal Multishow. " A casa é sua" e´genial, mas o DVD tem muitas outras músicas fantásticas, com arranjos simples e cuidados e execuções primorosas, com direito a Edgar Scandurra em uma das guitarras e tudo. Se eu fosse vocês ia correndo comprar. Foi uma saborosa surpresa.

domingo, 1 de maio de 2011

Ecologia ou Economia?

A recente proibição do uso de sacolas plásticas nos supermercados de Minas Gerais e a tentativa do estado de São Paulo de seguir o mesmo caminho me fizeram refletir sobre os reais motivos de tais leis. É óbvio que, à primeira vista, tudo reside numa preocupação ecológica, afinal tais sacolas levam centenas de anos para se decompor no meio ambiente. Entretanto, eu receio que os motivos reais sejam menos nobres. Pensem comigo, se objetivo é proteger a natureza, então bastaria substituir as atuais sacolas pelas biodegradáveis ou pelas antigas embalagens de papel craft usadas na minha infância. Mas estas também são poluentes, dizens uns, será? E, se forem, por que então as biodegradáveis serão vendidas pelos mercados? Parece-me lógico que quase a maioria dos consumidores reutiliza as sacolinhas de mercado para acondicionar lixo e, caso estas deixem de ser distribuídas, obrigarão os cidadãos a comprar outros saquinhos para depositar o lixo, sim, porque ele continuará tendo de ser descaratado, logo os plásticos serão utlizados da mesma forma. Porém, os mercados e afins, ao deixar de distribuir as sacolinhas não só vão economizar milhares de reais por ano como ainda vão lucrar com a venda de sacolas retornáveis e de sacolas biodegradáveis. Aliás, vi no jornal que estas últimas custarão ao consumidor R$ 0,19 a unidade, um absurdo para um produto que deve custar a esses mesmos mercados algo em torno de R$ 0,03, ou seja, o consumidor novamente pagará a conta. Por isso, sinto que a lei tem um fim muito mais econômico do que ecológico. Ademais há que se pensar ainda na falta de praticidade: como levar para casa as compras de mês? Como vai se virar o consumidor que não tem carro? Ah, esse poderá contratar as entregas dos mercados que também ganharão mais com esse serviço. A pergunta é: se não vão oferecer sacolas para proteger o meio ambiente, vão fazer entregas com carros elétricos, já que são pouco poluentes? Enfim, não sei se estamos diante de uma dúvida cruel ou de mais uma dívida cruel.