Pensar nem sempre é estar doente dos olhos

O maravilhoso heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, diz em um dos poemas que amamos que " pensar é estar doente dos olhos", porque ele quer que seus leitores se ponham a sentir o mundo. Mas, como hoje poucas pessoas fazem qualquer uma das duas coisas ( pensar e sentir), permitimo-nos dizer que sentir é fundamental, mas pensar também. Exercite essas duas capacidades: leia mais, viaje mais, converse mais com gente interessante, gaste seu tempo discutindo ideias e não pessoas.

domingo, 22 de agosto de 2010

E nós que temíamos Hitler - Giovana Marques Fontes

Recebi, via internet, um dia desses, uma antiga matéria atribuída a Arnaldo Jabor que versava sobre a solidão das musas da TV. Em seu artigo, Jabor ( ou alguém se passando por ele, já que o próprio Jabor disse que não escreveu metade dos textos “dele” que rodam na rede) alegava que os homens não estavam preparados para tanto silicone, tanta malhação, tanto poderio sexual. Então, sentindo-se diminuídos, preferiam mulheres normais àquelas “deusas bombadas”. Tal reflexão levou-me a pensar no seguinte: durante muito tempo nos deixamos amedrontar pelos grandes ditadores e suas forças bélicas, temendo destruições em massa; a maioria deles, porém, já está morta, portanto não oferece mais perigo. Entretanto, a modernidade nos legou tiranos muito mais nocivos: o apego à estética e a necessidade de aceitação pelo outro, são sem dúvida, os mais cruéis.

É claro que o apreço pela beleza faz parte da existência, desde os clássicos greco-romanos ela é colocada num patamar de excelência (vide as esculturas daquele período que retratavam homens fortes, viris ou heróis épicos como Aquiles e Heitor). Contudo, a partir dos anos setenta do século XX - período em que a alta costura já alucinava definitivamente as passarelas do mundo com suas modelos anoréxicas – a moda e suas tendências de cores e formas começaram a assombrar a vida de mulheres e, mais recentemente, de homens também. Todos queriam abandonar Hefestos e encontrar o Adônis adormecido. Estabeleceu-se que para ser aceito socialmente era necessário ostentar aqueles padrões. Parâmetros até então usuais de beleza e comportamento, que respeitavam as individualidades, foram gradativamente sendo substituídos por formas obsessivamente trabalhadas: abdomens transformaram-se em tanques, pernas tornaram-se fotalezas, seios passaram não só a indispensáveis, como são medidos em mililitros e não mais em centímetros.

O que não se levou em conta, nessa nova ditadura, foi que não há perfeição na humanidade, isso já é da natureza. As beyonce-julianapaes-larissariquelme et congeneres, os gianecchinis-bradpitts-roberthuchingsons não nascem feitos, moldam-se à custa de muita abstinência alimentar, excesso de malhação e, até, de alguns medicamentos de uso proibido que trarão sérios prejuízos à saúde no futuro. Esse fenômeno é tão doentio que a repórter Renata Capucci ─ que também não tem silhueta top model ─ sentiu-se à vontade para agredir, no twitter, a cantora Mariah Carey, ironizando-a por estar, na opinião da repórter, gorda. Eu nem gosto de Mariah, mas acho que o talento dela não depende de suas formas serem esguias ou roliças. Comentários dessa natureza só servem para reforçar a tese de que vivemos preocupados com futilidades ou, pior, exercendo nossa maldade e falta de autoestima criticando nos outros aquilo de que não gostamos em nós mesmos. Entretanto, o que nossa querida Capucci não percebe é que nem todos estão dispostos a essa transmutação física ou preparados para ela.

E é aí que nascem os problemas, todos (ou pelo menos a grande maioria) queremos ser aceitos, ser queridos e admirados. Mas como isso é possível se estamos a anos-luz de distância dos ditames impostos? Muito simples, tornamo-nos nossos próprios déspotas: freqüentamos exaustivamente academias (ou morremos de culpa se não podemos fazê-lo); fazemos a dieta do vinagre, do chá, da lua; compramos a cinta modeladora do Dr. Rey; entupimos salas de cirurgiões plásticos e, por fim, lotamos os consultórios psicológicos e psiquiátricos. Sim, pois ao final de tudo isso descobrimos que continuamos sendo nós mesmos e que, infelizmente, a mudança que almejamos tem de acontecer de dentro para fora e não ao contrário, por mais piegas e óbvia que essa constatação seja.

É hora, pois, de pensarmos em quem estamos nos transformando. É tempo de descobrir se aquele que vemos no espelho é realmente quem gostaríamos ou é apenas um produto para a satisfação alheia. Não faço aqui uma apologia contra a boa forma ou a cirurgia estética (mesmo porque estaria sendo hipócrita se o fizesse), chamo apenas a atenção para o fato de que estamos criando neuroses desnecessárias, afinal há mais gente necessitando de plásticas no caráter e no ego do que no corpo e isso, pesarosamente, não se consegue em consultórios médicos. Para a conquista de tal intento é preciso que reformemos nossos conceitos ditatoriais de mundo e, principalmente, que abandonemos nossas pequenezas, afinal criticar o “corpinho” de Mariah não nos faz dormir como Dona Redonda e acordar Angelina Jolie.

Em suma, vemos que a chegada da tão sonhada aceitação social está fundamentalmente ligada à descoberta de quem pretendemos ser e para quê. Só assim poderemos aniquilar esse carrasco interior que nos vitima. E pensar que durante tanto tempo nós temíamos Hitler, como se o grande inimigo estivesse fora e não dentro de nós mesmos.

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