Pensar nem sempre é estar doente dos olhos

O maravilhoso heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, diz em um dos poemas que amamos que " pensar é estar doente dos olhos", porque ele quer que seus leitores se ponham a sentir o mundo. Mas, como hoje poucas pessoas fazem qualquer uma das duas coisas ( pensar e sentir), permitimo-nos dizer que sentir é fundamental, mas pensar também. Exercite essas duas capacidades: leia mais, viaje mais, converse mais com gente interessante, gaste seu tempo discutindo ideias e não pessoas.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A reedição do passado: receita de heroi

O recente epísódio na fórmula 1, em que Michael Schumacher mais uma vez trapaceou sobre Rubens Barrichello no GP da Hungria, me fez lembrar que em 2002 eu havia escrito um artigo a propósito de uma situação semelhante: a ordem que a Ferrari dera a Rubinho para, mesmo vencendo a prova, deixar que Schumacher o ultrapassasse na última volta, para que o ilustre alemão tivesse o primeiro lugar no pódio. Pois bem, relendo o artigo, achei-o muito atual ( embora ele se refira  ao tal Cléber Bambam que havia ganho o deplorável Big Brother naquele ano e que, como eu previ na época, foi celebridade miojo)  e resolvi republicá-lo aqui. Espero que gostem.

Receita para fazer um heroi


Giovana Marques Fontes*



Segundo o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaellis, herói é : “Homem elevado a semideus após a morte, por seus serviços relevantes à humanidade”. Que o mundo está carente de heróis, é um fato; pois há muito não temos um grande ídolo, honrado, bravo, destemido, que faça por merecer a designação anterior, dando-nos motivo para tomá-lo como espelho. Entretanto, mais deplorável do que não ter alguém em quem nos mirar, é ter de viver para ver a fabricação barata de mitos.

Estamos em um tempo em que as qualidades essenciais aos vencedores típicos, aos heróis natos, vêm sendo deliberadamente abandonadas em detrimento de receitas de fácil digestão. Leia-se a apologia à ignorância e ao mau gosto, aliados à falta de caráter e a uma falsa ingenuidade, representados pelo tal Cleber Bambam, o herói-miojo do momento.

Talvez isso se dê para acompanhar a evolução tecnológica, a qual impôs um ritmo frenético de vida, decretando a morte precoce das coisas e dos valores a serem adotados, criando este estilo novo de personalidade a ser admirada: o herói de preparo instantâneo.

Como se faz um? Vide a receita, é simples: pegue povos carentes de ídolos, dê-lhes uma personalidade, de preferência mundial – um Michael Schumacher, digamos – adicione uma equipe de fórmula um interessada em vencer a qualquer preço; junte a isso a falta de auto-estima (e porque não dizer de vergonha) da figura em questão. Por fim, acrescente um companheiro de equipe que conhece o real significado desse termo e que, preferencialmente, seja oriundo de um país de terceiro mundo. Leve ao fogo brando, por mais ou menos dois anos, e o seu herói triunfará mesmo sem ter vencido.

Nessas horas chego a ficar feliz por nosso verdadeiro ídolo, Airton Senna , estar morto. Pois seria humilhante demais para ele viver para ver tamanho desmerecimento com o posto que um dia ocupou com tanta dignidade e brilhantismo. Que era é essa, em que um herói não é aquele que, como Senna, respeita aos demais, dando-lhes apoio e amizade, mas aquele para quem os fins – a fama – justificam os meios – vencer sem ter vencido.

Em casos como esses, vemo-nos obrigados a concordar que a personagem Brás Cubas, de Machado de Assis, tinha suas razões ao afirmar: “Não tive filhos, não transmiti a ninguém o legado de minha miséria.” Afinal, o que dirá nossa prole, num futuro próximo, quando souber que a geração de seus pais pautou-se em mitos degradados, em personificações do epíteto de Macunaíma: heróis sem nenhum caráter.

Definitiva e finalmente, isso nos leva a crer que qualquer um de nós pode fabricar heróis à sua moda, eximindo-se do peso que isso deveria acarretar. Afinal, qualquer um que tenha uma carinha bonita, um corpinho sarado ou milhões de dólares, pode comprar pra si esse posto, o qual até bem pouco tempo atrás demandava anos de dedicação e comportamento exemplar para ser conseguido.

Um comentário:

  1. E o pior de tudo(entre os quase heróis) é que eles são escolhidos pelo povo uma vez por ano a cada reality, que também não são poucos.
    Na verdade acho que não faltam heróis no país, falta reconhecimento aos que deveiam, mas o maior espaço é dado para os anti-heróis, do tipo que jogam crianças pela janela e afins!

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