Pensar nem sempre é estar doente dos olhos

O maravilhoso heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, diz em um dos poemas que amamos que " pensar é estar doente dos olhos", porque ele quer que seus leitores se ponham a sentir o mundo. Mas, como hoje poucas pessoas fazem qualquer uma das duas coisas ( pensar e sentir), permitimo-nos dizer que sentir é fundamental, mas pensar também. Exercite essas duas capacidades: leia mais, viaje mais, converse mais com gente interessante, gaste seu tempo discutindo ideias e não pessoas.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Vou ser deportado de Pasárgada! Giovana Fontes

A recente aprovação da Lei SB 1070, no estado norteamericano do Arizona, reacendeu o debate mundial sobre as questões de imigração. Propondo a criminalização da imigração ilegal, assim como o direito da polícia revistar e abordar – em virtude de uma simples impressão pessoal – qualquer indivíduo que apresentar “suspeita razoável”, a lei se configura não só como uma violação aos direitos humanos ( já que trabalha com uma espécie de presunção de culpa), mas também como uma forma xenofóbica de conter um deslocamento que foi responsável pelo desenvolvimento dos países como um todo, inclusive dos próprios EUA.


O mais interessante é que se pensarmos nas questões históricas relacionadas às mobilidades dos povos chegaremos a algumas conclusões curiosas: a primeira delas é que a própria América é um continente totalmente formado por imigrantes, haja vista que os nativos de nosso continente foram quase completamente dizimados pelos conquistadores que aqui chegaram após Cristovão Colombo. A segunda é que os EUA, que agora rechaçam seus imigrantes (sobretudo os mexicanos) fundaram seu país saindo da Inglaterra para a América; portanto, se os nativos norteamericanos indígenas os tivessem expatriado - como agora querem fazer com os imigrantes ilegais - ou eles teriam voltado para casa e se sujeitado à estrutura religiosa inglesa contra a qual lutavam ou estariam vagando sem rumo, fazendo companhia aos Curdos, que não possuem uma terra própria. A terceira é que muitos dos estados americanos fronteiriços ao México eram pertencentes a este país e foram usurpados, pelos estadunidenses, por meio de batalhas ou acordos escusos.

Não bastasse isso, há que se considerar ainda que os imigrantes, na maior parte dos países para onde vão, executam trabalhos indignos ou, ao menos, realizam tarefas que não são desejadas pelos nativos, tais como serviços domésticos, trabalhos pesados na construção civil, atividades insalubres, dentre outras. Além disso, muitos destes indivíduos, justamente por estarem em situação ilegal, aceitam remunerações pequenas e ausência total de direitos trabalhistas, algo a que um nativo de países desenvolvidos provavelmente jamais se submeteria. Pelo menos não até que estas nações sofressem alguns colapsos financeiros ( como a crise imobiliária norteamericana em 2008) em virtude dos quais seus cidadãos perderam empregos e se viram endividados, passando, então, a perseguir duramente os imigrantes, os quais se tornaram alvo da responsabilidade pela ausência de empregos no país.

É oportuno, contudo, observar que o relatório da ONU de 2009 intitulado “Ultrapassar barreiras: mobilidade e desenvolvimento humanos” constatou, ao contrário do que afirmam os xenófobos segregacionistas, que apenas 37 % do fluxo migratório mundial acontece de países em desenvolvimento para países desenvolvidos e que a mão de obra trazida pelos estrangeiros é, via de regra, responsável pelo crescimento das economias dos Estados que os acolhem e não pelo colapso dela. O próprio Brasil pode e deve ser utilizado como um exemplo: sem a mão de obra dos italianos, alemães, ucranianos, poloneses, japoneses, dentro outros, que para cá vieram em fins do século XIX e início do século XX, certamente nosso desenvolvimento econômico e social teria sido prejudicado, haja vista que os estados do sul foram fundamentalmente colonizados por estes povos e são hoje todos economicamente bem desenvolvidos.

O mais impressionante é que essas medidas de endurecimento em relação ao fluxo migratório estão ganhando adeptos e podem, em pouco tempo, transformar-se em políticas altamente segregacionistas que acabarão por prejudicar também aos que vivem legalmente como imigrantes em um país, posto que elas acabam por incentivar ( e até legitimar) o ódio interracial. Às vezes fico pensando que se essa xenofobia ganhar proporções mais globalizadas e atingir as terras tupiniquins pode ser que em 2108, ao invés de comemorarmos com festa os 200 anos da imigração japonesa ao Brasil estejamos montando postos para deportação de todos os que possuam olhinhos puxados.

Enfim, se este despautério dirfarçado de política migratória (com intento “de diminuir a violência e combater o tráfico de drogas,” como alegam preconceituosamente os estadunidenses) continuar a crescer, temo que, no futuro, o poema “ Vou-me embora pra Pasárgada”, de Manuel Bandeira, se torne leitura proibida nas escolas, pois será uma espécie de ode ao desrespeito a tais políticas . Quanto ao coitado do “eu-lírico”, se ele investisse em sua ida ao paraíso por ele idealizado, em vez de “fazer ginástica, andar de bicicleta e tomar banhos de mar”, provavelmente seria deportado antes mesmo de conhecer as maravilhas locais.

Um comentário:

  1. Professora, concordo em quase todos os aspectos, principalmente quando "você" (seguindo sua recomendação hehe) enfatiza dizendo que essa lei é preconceituosa, exacerbada. Mas será que a economia, segurança ou outro fator não são afetadas pelo excesso de imigrantes? E se prejudica, será que já não era hora de se tomar alguma medida a este respeito?
    Lembrando: isso são só perguntas mesmo, pra saciar minha dúvida, já não sei muito sobre o assunto. Portanto, digo que concordo em "quase" tudo porque do resto não tenho certeza, hehe.
    Ah, me aproveitando da sua boa vontade, e antes que seja tarde, gostaria de saber sua opinião sobre outras coisas. Só que me esqueci conveesar contigo hoje, ou de pedir um e-mail. Então aqui mando o meu: guilucena_@hotmail.com. E peço pra que você me mande uma mensagem só pra eu adicionar o seu.
    PS: Se não for incômodo, é claro.

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