Pensar nem sempre é estar doente dos olhos

O maravilhoso heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, diz em um dos poemas que amamos que " pensar é estar doente dos olhos", porque ele quer que seus leitores se ponham a sentir o mundo. Mas, como hoje poucas pessoas fazem qualquer uma das duas coisas ( pensar e sentir), permitimo-nos dizer que sentir é fundamental, mas pensar também. Exercite essas duas capacidades: leia mais, viaje mais, converse mais com gente interessante, gaste seu tempo discutindo ideias e não pessoas.

sábado, 9 de outubro de 2010

Um bom texto de uma aluna

Uma aluna minha, figura muito inteligente e também bastante resguardada, me mostrou o texto a seguir. Gostei muito da construção e pedi a ela que me permitisse publicá-lo aqui. Eis o texto, resguardado o anonimato da autora, conforme ela me pediu. Aproveitem!

Passei um fio imaginário, costurando as duas metades do corpo onde podia sentir as costelas. Já tinha esfarelado os ossos da mão direita contra a parede novamente, num relâmpago lúcido e ardido. E a dor vinha. Tirei a camiseta que vestia para, num abraço, rasgar o corpo todo com as unhas. Da coluna até os seios, eu ia desenhando estradas avermelhadas, rabiscando o braço. Só me deixei em paz quando as unhas já não aguentavam se dobrar a carne macia e mal-tratada. Mas queria a dor. Queria a dor para me sentir menos miserável, menos ridícula. Com uma caneta preta escrevi "dor" nas costelas esquerdas. A tinta falhava, entao risquei só com a pressao da ponta. As letras saltaram em relevo, concretas enfim em alguma parte de mim. Aí achei um lápis para continuar escrevendo o que sentia ali, intervalos de razão bem conduzidos. Recoloquei a camiseta preta e fui buscar algo para passar nas feridas enquanto forjava uma cara de normal para caminhar pela sala sem ser notada. Álcool. Despejei, apagando a mal-feita palavra e sentindo o líquido queimando as paralelas dos braços. Quando percebi que doía mais isso do que espalhar pelo corpo, encharquei as mãos e deixei que o ar gelado após a evaporação me desse um prazer ilhado nesses momentos. E me descobri novamente sem blusa e, sentada no chão do quarto, puxei o cobertor para me cobrir do frio que chegava. Nada no quarto justificava aquela garrafa de álcool ali. Nada no dia justificava essa tristeza. Tudo havia corrido bem e, mesmo assim, terminava rompendo as cordas da sanidade. Ainda não aprendi a desenhar diários e confissões sem ter destinatário, um grito de socorro que seja. Dei voltas e mais voltas na agenda do celular para ligar para alguém, dizer que as coisas não estavam legais, mas os nomes que eu via não atenderiam. Não entenderiam. As pessoas vêm e vão, vêm em vão. Mas meu otimismo de armário, infantil, não me deixa em paz durante o dia. E é nas horas claras em que eu me confesso, em sons e notas, em verso e prosa.

2 comentários:

  1. noossa!! muito bom o texto mesmo! queria ter essa criatividadee :)

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  2. Realmente é um ótimo texto. Parabéns à autora! É um sincero desabafo em tom de prosa. ADOREI!

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