Pensar nem sempre é estar doente dos olhos

O maravilhoso heterônimo de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, diz em um dos poemas que amamos que " pensar é estar doente dos olhos", porque ele quer que seus leitores se ponham a sentir o mundo. Mas, como hoje poucas pessoas fazem qualquer uma das duas coisas ( pensar e sentir), permitimo-nos dizer que sentir é fundamental, mas pensar também. Exercite essas duas capacidades: leia mais, viaje mais, converse mais com gente interessante, gaste seu tempo discutindo ideias e não pessoas.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Traduzir-me em Álvaro de Campos

Para aqueles que,por ventura, não saibam Álvaro de Campos é um dos heterônimos do poeta Fernando Pessoa. Cresci lendo Pessoa e seus heterônimos. Quando meu irmão retornou de seus estudos em Portugal, trouxe uma coleção completa que eu, aos doze anos, transformei em meus livros de cabeceira. Especialmente os de poemas de Alberto Caeiro ( para os dias em que eu estava doce) e os de Álvaro de Campos, para os dias em que a agressividade e o inconformismo diante da maldade e da mesquinhez humana me assolam. Há vezes que sinto que só ele é capaz de me traduzir. Pois bem, algumas atitudes que presenciei neste fim de semana me fizeram sentir como no poema a seguir. Aproveitem!

Bicarbonato de Soda - Álvaro de Campos




Súbita, uma angústia...

Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!

Que amigos que tenho tido!

Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!

Que esterco metafísico os meus propósitos todos!

Uma angústia,

Uma desconsolação da epiderme da alma,

Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...

Renego.

Renego tudo.

Renego mais do que tudo.

Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.

Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na

circulação do sangue?

Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?



Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?

Não: vou existir. Arre! Vou existir.

E-xis-tir...

E--xis--tir ...



Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!

Renunciar de portas todas abertas,

Perante a paisagem todas as paisagens,



Sem esperança, em liberdade,

Sem nexo,

Acidente da inconseqüência da superfície das coisas,

Monótono mas dorminhoco,

E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!

Que verão agradável dos outros!



Dêem-me de beber, que não tenho sede!

Um comentário:

  1. essa identificação que certos poemas, músicas e histórias nos proporcionam é simplesmente maravilhosa! acontece muito comigo também... me faz sentir 'menos vazia', 'mais completa', com aquela sensação de que alguém, afinal, te entende e sente o mesmo que você. adorei!

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